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Aritmética intuitiva com números complexos

Os números imaginários têm uma explicação intuitiva: eles “rodam” os números, assim como os negativos criam uma “imagem espelhada” de um número. Essa intuição torna a aritmética com números complexos fácil de entender e é um excelente meio de conferir seus resultados. Aqui está nossa tabela de dicas:

tabela-operacoes-complexas

Este post irá caminhar através de significados intuitivos.

Variáveis complexas

Na álgebra tradicional, nós geralmente dizemos x=3 e está tudo certinho — existe algum número x cujo valor é 3. Com números complexos, existe um empecilho: são duas dimensões para considerar. Quando escrevemos

z=3+4i

a+bi

estamos dizendo que existe um número z com duas partes: 3 (a parte real) e 4i (parte imaginária). É um pouco estranho que “um” número possa ter duas partes, mas já estamos lidando com isso há algum tempo. Nós geralmente escrevemos:

y=3\dfrac{4}{10}=3+0,4

e não nos incomoda que um único número y tenha tanto uma parte inteira (3) quanto uma fracionada (0,4 ou 4/10). y é uma combinação de dois elementos. Os números complexos são similares: eles têm suas partes reais e imaginárias “contidas” em uma única variável (as abreviações são geralmente \text{Re} e \text{Im}).

Infelizmente, não temos uma notação legal como 3,4 para “fundir” as partes em um único número. Eu tinha uma ideia para escrever a parte imaginária verticalmente, mas ela não era muito popular. Então vamos nos ater ao formato a+bi.

Medindo o tamanho

Uma vez que os números complexos usam dois eixos independentes, encontramos seu tamanho (magnitude) usando o teorema de Pitágoras:

Magnitude de a+bi

Então, um número z=3+4i terá magnitude 5. O atalho para “magnitude de z” é este: \lvert z \rvert.

Vê como ele se parece com o sinal do valor absoluto? Bem, de certa forma, é a mesma coisa. A magnitude “mede a distância” de um número complexo até o zero, assim como o valor absoluto “mede a distância” de um número negativo até o zero.

Adições e substrações complexas

Já vimos que a adição usual pode ser pensada como um “deslocamento” por certo número. A adição com números complexos é parecida, mas podemos fazer o deslocamento em duas dimensões (real e imaginária). Por exemplo:

adicao-complexa

Somar (3+4i)(-1+1i) dá (2+5i).

Novamente, esta é uma interpretação visual de como “componentes independentes” são combinadas: seguimos as partes reais e imaginárias separadamente.

A subtração é o reverso da adição — é um deslocamento na direção oposta. Subtrair (1+i) é o mesmo que somar (-1) \times (1+i) ou somar (-1-i).

Multiplicação complexa

Aqui é onde a Matemática fica interessante. Quando multiplicamos dois números complexos xy para obter z:

  • Some os ângulos: \text{angulo}(z) = \text{angulo}(x) + \text{angulo}(y);
  • Multiplique as magnitudes: \lvert z \rvert = \lvert x \rvert \times \lvert y \rvert.

Isso é, o ângulo de z é a soma dos ângulos de xy e a magnitude de z é o produto das magnitudes. Acredite ou não, a mágica dos números complexos faz a Matemática funcionar!

Multiplicar pela magnitude (tamanho) faz sentido — estamos acostumados ao que acontece em uma multiplicação usual (3 \times 4 significa multiplicar 3 pelo tamanho de 4). A razão da adição dos ângulos funcionar é mais detalhada, e vamos deixá-la para outra hora. (Curioso(a)? Encontre as fórmulas de adição de senos e cossenos e compare-as com o resultado da multiplicação de (a+bi) \times (c+di)).

Hora de um exemplo: vamos multiplicar z=3+4i por ele mesmo. Antes de fazer todas as contas, sabemos algumas coisas:

  • A magnitude resultante será 25z tem magnitude 5, então \lvert z \rvert \times \lvert z \rvert = 25;
  • O ângulo resultante será maior do que 90 graus. 3+4i é maior do que 45 graus (uma vez que 3+3i resultaria em 45 graus), então o dobro do ângulo será maior do que 90.

Com nossas previsões no papel, podemos fazer um pouco da matemática:

(3+4i) \times (3+4i) = 9 + 16i^2 + 24 i = -7 + 24i

Hora de conferir nossos resultados:

  • Magnitude: \sqrt{(-7)^2 + (24)^2} = \sqrt{625}=25, que confere com nossa conjectura;
  • Ângulo: uma vez que -7 é negativo e 24i é positivo, sabemos que estamos “na parte de trás do eixo” e “para cima”, o que significa que ultrapassamos a marca de 90 graus (“eixo vertical”). Entrando nas complicações, usamos a calculadora para \text{arctan}(24/-7)=106,26 graus[1] (tendo em mente que estamos no quadrante 2). Esse resultado também bate com a previsão inicial.

Legal. Se podemos sempre fazer todos os cálculos, a intuição sobre rotações e escalas nos ajudam a conferir o resultado. Se o ângulo resultante fosse menor do que 90 graus (“para frente  para cima”, por exemplo) ou se o resultado não fosse 25, saberíamos que algo deu errado nas contas.

Divisão complexa

A divisão é o oposto da multiplicação, assim como a subtração é o oposto da adição. Quando dividimos números complexos (x dividido por y):

  • Subtraia os ângulos: \text{angulo}(z) = \text{angulo}(x) - \text{angulo}(y);
  • Divida as magnitudes: \lvert z \rvert = \lvert x \rvert / \lvert y \rvert.

Soa bem. Agora vamos a um exemplo:

\dfrac{3+4i}{1+i}

Hum… por onde começar? Como nós fazemos realmente a divisão? Divisões algébricas básicas já me dão arrepios, imagina só com essa esquisitice do i. (Senhor, senhor! Você sabia que 1/i=-i? Basta multiplicar ambos os lados por i e veja você mesmo o que acontece! Eek.). Por sorte, existe um atalho!

Introduzindo os números complexos

Nosso primeiro objetivo é subtrair os ângulos. Como fazemos isso? Multiplicando pelo ângulo oposto! Isso irá “somar” um ângulo negativo, que é o equivalente da subtração do ângulo original.

Complexo Conjugado

Em vez de z=a+bi, pense sobre um número z^*=a-bi, chamado “complexo conjugado”. Ele tem a mesma parte real, mas a parte imaginária é “espelhada”. O conjugado ou “reflexo imaginário” tem a mesma magnitude, mas o ângulo oposto!

Então, multiplicar por a-bi é o mesmo que subtrair o ângulo. Legal.

multiplicacao-conjugada

Complexos conjugados são indicados por um asterisco (z^*) ou por uma barra sobre a variável — matemáticos adoram discutir sobre essas convenções para as notações. De todo modo, o conjugado é um número complexo com parte imaginária “girada”.

Note que a parte imaginária não precisa ser necessariamente negativa. Se z=3-4i, então z^*=3+4i.

Multiplicando pelo conjugado

O que acontece quando você multiplica pelo conjugado? O que é z vezes z^*? Sem pensar, pense sobre isto:

z \cdot z^* = 1 \cdot z \cdot z^*

Pegamos o número 1 (real), adicionamos o ângulo(z) e depois o ângulo(z^*). Mas este último ângulo é negativo — temos uma subtração! Então nosso resultado final deve ser um número real, uma vez que cancelamos os ângulos. O número deve ser \lvert z \rvert^2, já que escalamos duas vezes.

Agora vamos a um exemplo:

(3+4i) \times (3-4i) = 9 - 16i^2 = 25

Obtivemos um número real, como esperado! Os fãs da Matemática podem tentar a álgebra também:

(a+bi) \times (a-bi) = a^2+abi-abi+b^2=a^2+b^2

Tãdã! O resultado não tem parte imaginária e a magnitude é elevada ao quadrado. Entender os complexos conjugados como uma “rotação negativa” nos permite prever esses resultados de uma forma diferente.

Escalando seus números

Quando multiplicamos pelo conjugado z^*, escalamos pela magnitude \lvert z^* \rvert. Para reverter esse efeito, podemos dividir por \lvert z \rvert e para realmente encolher por \lvert z \rvert, temos que dividir novamente. Em outras palavras, para obter o número original após uma multiplicação pelo conjugado, temos que dividir o resultado por \lvert z \rvert \times \lvert z \rvert.

Mostre-me a divisão!

Eu venho evitando a divisão e aqui está a mágica. Se queremos resolver

\dfrac{3+4i}{1+i}

Podemos usar uma abordagem intuitiva:

  • Rotacionando pelo ângulo oposto: multiplicar por (1-i) em vezes de (1+i);
  • Dividir pela magnitude ao quadrado: dividir por \lvert \sqrt{2} \rvert^2=2.

A resposta, utilizando essa abordagem, é:

\dfrac{3+4i}{1+i}=(3+4i) \cdot (1-i) \cdot \dfrac{1}{2}=(3-4i^2+4i-3i) \cdot \dfrac{1}{2}=\dfrac{7}{2}+\dfrac{1}{2}i

O método tradicional “arroz com feijão” envolve multiplicar em cima e embaixo pelo complexo conjugado:

\dfrac{3+4i}{1+i}=\dfrac{3+4i}{1+i}\cdot \dfrac{1-i}{1-i}= \dfrac{3-4i^2-4i-3i}{1-i^2}= \dfrac{7+i}{2}

Somos ensinados tradicionalmente a “apenas multiplicar ambos os lados pelo complexo conjugado” sem questionar o que a divisão complexa realmente significa. Mas não hoje.

Nós sabemos o que está acontecendo: a divisão é igual a subtrair um ângulo e encolher a magnitude. Ao multiplicar o numerador e o denominador pelo conjugado, subtraímos pelo ângulo de (i-i), o que torna o denominador um número real (não é uma coincidência, uma vez que usamos exatamente o ângulo oposto). Escalamos tanto o numerador quanto o denominador da mesma quantidade, então os efeitos se cancelam. O resultado é tornar a divisão em uma multiplicação no numerador.

Ambas as abordagens funcionam (normalmente você aprende a segunda na escola), mas é usar as duas para conferir os resultados.

Mais alguns truques matemáticos

Agora que nós entendemos o conjugado, existem algumas propriedades que merecem nossa atenção:

(x+y)^*=x^*+y^*

(x \cdot y)^*=x^* \cdot y^*

A primeira deve fazer mais sentido. Somar dois números e “refleti-los” (“conjugá-los”) é o mesmo que somar as suas reflexões. Outro modo de pensar: deslocar dois números e então tomar os seus opostos é o mesmo que deslocar ambos no sentido oposto.

A segunda propriedade é mais complicada. Claro, a álgebra deve funcionar, mas qual é a explicação intuitiva?

O resultado (x \cdot y)^* significa:

  • Multiplique as magnitudes: \lvert x \rvert \times \lvert y \rvert;
  • Some os ângulos e tome o conjugado (oposto): \text{angulo}(x)+\text{angulo}(y) se torna -\text{angulo}(x)+ -\text{angulo}(y)

E x^* \cdot y^* significa:

  • Multiplique as magnitudes: \lvert x \rvert \times \lvert y \rvert (o mesmo de antes);
  • Some os ângulos conjugados: \text{angulo}(x)+\text{angulo}(y)= -\text{angulo}(x)+-\text{angulo}(y).

Aha! Obtivemos os mesmos ângulos e magnitudes em ambos os casos, e nós não tivemos que passar para nenhuma explicação algébrica tradicional. A Álgebra é muito boa, mas não dá sempre a melhor explicação.

Um exemplo rápido

O conjugado é um modo de “desfazer” a rotação. Pense sobre isso da seguinte maneira:

  • Eu deposito R$ 3,00, R$ 10,00, R$ 15,75 e R$ 23,50 na minha conta. Qual transação irá cancelá-las? Para encontrar o oposto: some todos os depósitos e multiplique por -1.
  • Eu rotaciono uma linha fazendo várias multiplicações: (3+4i), (1+i) e (2+10i). Qual rotação irá cancelá-las? Para encontrar o oposto: multiplique todos os números complexos e então tire o conjugado do resultado.

Veja o conjugado z^* como um meio de “cancelar” os efeitos de rotação de z, assim como um número negativo “cancela” os efeitos da adição. Um alerta: com conjugados, você precisa dividir por \lvert z \rvert \times \lvert z \rvert para remover os efeitos de uma mudança de escala.

Pensamentos finais

A matemática aqui não é nova, mas eu nunca havia me tocado do porquê os conjugados complexos funcionarem como eles funcionam. Por que a+bi e não -a+bi. Bem, os complexos conjugados não são uma escolha aleatória, mas uma imagem refletida de uma perspectiva imaginária, com o ângulo oposto exato.

Ver os números imaginárias como rotações nos são uma nova mentalidade (mindset) para enfrentar os problemas matemáticos; as fórmulas “arroz com feijão” pode ter um sentido intuitivo, mesmo para tópicos estranhos como números complexos. Happy math.


[1] Na calculadora, o resultado será ~-73,74°. Isso porque a calculadora só acerta o ângulo para primeiro quadrante (x>0, y>0). Então é preciso acrescentar 180° ao resultado (-73,74°+180°=106,26°).

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