O circuito a parâmetros concentrados

No artigo “O que é um Circuito Elétrico?”, vimos algumas características dos circuitos elétricos, entre elas a diferença entre um circuito a parâmetros concentrados e um circuito a parâmetros distribuídos. Neste artigo, vamos mostrando as condições necessárias para que um circuito se enquadre como a parâmetros concentrados.

Restrições do Elemento de Circuito

Toda interação entre os elementos de circuito se dá através das suas correntes e tensões terminais. Em linguagem mais aprofundada, os fenômenos físicos internos que fazem um elemento funcionar devem interagir com os fenômenos elétricos externos somente nos seus terminais.

As tensões e as correntes podem variar com o tempo, sendo representadas então, de forma mais geral, como V(t) e I(t). Para dispositivos com mais de dois terminais, as tensões são definidas para cada terminal com respeito a um terminal de referência. As correntes são definidas pelo fluxo entrando ou saindo em cada terminal.

Para que esses atributos dos elementos de circuito sejam válidos, a abstração da teoria de circuitos deve respeitar duas restrições, as quais iremos apresentar agora, mas cujo desenvolvimento completo se encontra no artigo “Equações de Maxwell e Leis de Kirchhoff“.

A primeira restrição exige que as tensões nos terminais sejam únicas (unívocas), isto é, elas não podem depender do caminho elétrico percorrido entre um terminal e outro. Nos termos da teoria eletromagnética, isso só ocorre quando a taxa de mudança do fluxo magnético relacionado com qualquer laço fechado fora do elemento é igual a zero em qualquer momento:

    \[\displaystyle \dfrac{\delta\phi_{B}}{\delta_{t}}=0\]

FIGURA 1: A TENSÃO DEVERÁ SER INDEPENDENTE DO CAMINHO.

Já a segunda restrição exige que a corrente total entrando no elemento seja igual à corrente saindo. Para isso, não poderá ocorrer acumulação ou diminuição de carga dentro do elemento:

    \[\displaystyle \dfrac{\delta q}{\delta_{t}}=0\]

FIGURA 2: A CORRENTE ENTRANDO EM X DEVE SER IGUAL A CORRENTE SAINDO EM Y.

Sobre o efeito das duas restrições, os elementos irão interagir entre si somente através das suas correntes e tensões terminais. Note que as restrições requerem que a taxa de mudança do fluxo magnético fora e da carga líquida dentro dos elementos seja zero para todo tempo. Disso segue diretamente que o fluxo magnético e o campo elétrico fora dos elementos devem também ser sempre iguais a zero. Portanto, não há campos eletromagnéticos relacionados a um elemento que possam influenciar os outros. Isso faz com que o comportamento de cada elemento possa ser analisado independentemente.

Contudo, se for imprescindível modelar o efeito dos campos eletromagnéticos no circuito, podemos fazê-lo indiretamente por meio dos elementos básicos chamados capacitores e indutores. Quando a interação eletromagnética entre os dispositivos elétricos for relevante, podemos modelar a interdependência de diferentes circuitos utilizando um fonte dependente ou um transformador ideal.

A Restrição do Circuito a Parâmetros Concentrados

FIGURA 3: PROJETO ELÉTRICO, EXEMPLO DE CIRCUITO MODELADO A PARÂMETROS CONCENTRADOS.

As duas restrições acima descritas valem para todos os elementos de circuito. Para que um dispositivo elétrico possa ser modelado por um elemento a parâmetros concentrados (em inglês, lumped element), ele precisa obedecer a uma terceira restrição: as escalas de tempo dos sinais circulantes no elemento deverão ser muito maiores do que o atraso de propagação das ondas eletromagnéticas através dele. Definindo em função dos comprimentos em vez do tempo:

    \[\displaystyle d \ll \lambda\]

sendo d a maior dimensão do elemento e \lambda o maior comprimento de onda do sinal circulante.

Para facilitar o entendimento dessa restrição, imagine a seguinte situação: aplique uma corrente pulsante em um terminal de um elemento de circuito no instante de tempo t e observe tanto a corrente entrando nesse terminal quanto a corrente saindo pelo outro no instante de tempo t + \Delta t, muito próximo de t. Se o filamento for longo o suficiente, ou se \Delta t for pequeno o suficiente, a velocidade finita das ondas eletromagnéticas pode resultar em valores diferentes nas medições entre a corrente entrando e a corrente saindo.

Sob essa restrição de velocidade dos sinais (ou comprimento dos elementos), as ondas eletromagnéticas podem ser tratadas como se elas propagassem instantaneamente através dos elementos concentrados (os condutores ideais fazem parte dessa classificação).

Circuitos a Parâmetros Distribuídos

Quando não for possível aplicar a terceira restrição, o dispositivo deverá ser modelado como um elemento a parâmetros distribuídos, cujo comportamento deverá ser descrito a partir das equações de Maxwell.

Dois “extremos” são muitos significativos para exemplificar os circuitos a parâmetros distribuídos: um sistema elétrico de transmissão de energia e uma placa-mãe de um computador. Em ambos os casos, os fenômenos ondulatórios são muito importantes para sua operação.

FIGURA 4: LINHAS DE TRANSMISSÃO, EXEMPLO COM FREQUÊNCIA BAIXA E GRANDES EXTENSÕES. FONTE: Unsplash.

Colocando em números, o comprimento de onda de um sinal de 60 \ \text{Hz} viajando por uma linha de transmissão “ideal” é igual a \lambda = v/f = (3\times 10^8)/60 = 5.000 \ \text{km}. Nos problemas reais, as ondas são mais lentas, então as linhas de transmissão com algumas centenas de quilômetros são melhor modeladas por elementos a parâmetros distribuídos.

FIGURA 5: PLACA MÃE, FREQUÊNCIA ALTA E PEQUENAS DIMENSÕES. FONTE: Unsplash.

Em uma placa-mãe de um computador moderno, temos sinais de 1 \ \text{GHz}, resultando em um comprimento de onda igual a \lambda = v/f = (3\times 10^8)/1 \times 10^9 = 30 \ \text{cm}, que é aproximadamente o comprimento da placa. Também neste caso é adequada a modelagem por parâmetros distribuídos.

Referências

  1. AGARWAL, A.; LANG, J. Foundations of Analog and Digital Electronic Circuits. 1st Ed. São Francisco: Morgan Kaufmann, 2005.
  2. ARAÚJO, A. E. A. de; NEVES, W. L. A. Cálculo de Transitórios Eletromagnéticos em Sistemas de Energia. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.

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Por Frederico B. Teixeira. CC BY-NC-SA.

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