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Como proteger seu relacionamento com a empatia

Na parte 1 do resumo sobre o 2º capítulo do livro “A Ciência dos Bebês”, falamos sobre como praticamente todos os casais passarão por uma crise — moderada ou até severa — após o nascimento do primeiro filho. Também foram expostas algumas conclusões de trabalhos científicos acerca dos efeitos danosos das brigas conjugais no desenvolvimento das crianças. E nos referimos, ao longo do texto, aos conselhos de John Medina para amenizar ou mesmo neutralizar completamente as desavenças dentro de casa.

No post de hoje, iremos falar um pouco mais sobre as quatro principais causas dessas desavenças:

  1. perda de sono;
  2. isolamento social;
  3. carga de trabalho desigual; e
  4. depressão.

Conhecendo-as bem, é mais fácil evitá-las. Por fim, apresentarei o conceito que talvez seja o mais explorado no livro “A Ciência dos Bebês”: a EMPATIA, que é (palavras minhas) uma habilidade psicológica com a qual se busca entender melhor o ponto de vista das outras pessoas. Como veremos em outros capítulos, além de ajudar na relação conjugal, a empatia também é um bom parâmetro para se medir o sucesso em outras esferas da vida.

Perda de sono

Quando estamos esperando o primeiro filho, já temos uma noção de que a rotina noturna não será mais aquelas mil maravilhas. Na prática, contudo, a maioria dos pais descobre que passar as noites em claro é mais difícil do que se imaginava.

E essa provação pode persistir por vários meses. Mesmo após um ano, 50% das crianças ainda exigem alguma forma de intervenção paterna durante o período noturno. As fontes de John Medina indicam que os pais precisam de cerca de meia hora para voltar a dormir após cada intervenção; com isso, acabam dormindo metade do tempo necessário para um descanso efetivo. Obviamente, isso não é bom para o corpo. Nem para o casamento.

Não preciso citar nenhuma estatística que aparece no livro para reconhecermos o estado deplorável em que ficamos quando passamos muito dias dormindo mal. Por isso, devemos aceitar que ficamos mais susceptíveis a começar uma briga quando estamos com sono. Não há discussão quanto a isso. Os primeiros efeitos da privação de sono surgem justamente no humor. De acordo com o autor, esse fator sozinho pode prever grande parte do aumento das interações hostis entre os novos pais.

A minha experiência familiar é a seguinte: utilizando a rotina proposta no livro “A Encantadora de Bebês” (capa rosa), conseguimos fazer a Estela dormir a noite toda com 4 meses. Hoje, com 1 ano e 2 meses, ela acorda só por causa daqueles motivos clássico: gripe, dente nascendo, etc. No começo, realmente eu demorava meia hora, até mais, para dormir quando voltava do quarto dela. A dificuldade, no meu caso, estava relacionada ao nervosismo causado pela falta de controle da situação. Agora que eu me acostumei, gasto trinta segundos!

Quando eu não conseguia voltar a dormir, eu rezava, ou lia um romance ou o “Tracy Hogg” (nome mais curto para o “A Encantadora de Bebês”), para tentar entender o que estava fazendo de errado. Na verdade, tive várias madrugadas muito proveitosas.

Isolamento social

A sensação de estar isolado do resto do mundo é o principal problema apontado pelos casais em transição para a paternidade. 80% dos pais de primeira viagem experimentam um sentimento de solidão, muitas vezes doloroso e onipresente. 34% dos casais passam dias inteiros sem contato com ninguém. Se a solidão não for combatida, poderá levar à depressão.

A informação a seguir me marcou profundamente: após o nascimento de um filho, o tempo exclusivo do casal diminui para aproximadamente um terço do tempo de antes desse evento.

As mulheres, infelizmente, são as que mais sofrem com esse isolamento, e a ciência moderna tenta explicar por que ele pode ser particularmente tóxico para elas.

A teoria envolvida é a aloparentalidade (melhor seria alomaternidade). Alo significa diferente e parentalidade é a condição de quem é pai ou mãe. O que isso quer dizer então? Que a formação de uma relação de confiança e a ajuda mútua na criação dos filhos é uma vantagem de sobrevivência da espécie humana: as anciãs da família (da “tribo”) ajudam a cuidar das novas mães, uma mãe consegue amamentar o filho de outra mulher, etc.

As mulheres realmente precisam de contato feminino no período pós-parto. Para fortalecer este ponto, traduzirei outro trecho muito interessante do livro:

Por que o contato feminino e não o masculino? Parte da explicação pode ser molecular. As mulheres liberam, como parte de sua resposta normal ao estresse, a ocitocina, um hormônio que aumenta um conjunto de comportamentos biológicos denominado “atencioso e afetuoso” (tend and befriend). Os homens não fazem isso. Sua testosterona propicia uma grande interferência hormonal, mitigando os efeitos de sua ocitocina endógena. O hormônio, que também atua como um neurotransmissor em ambos os sexos, serve de mediador para sentimentos de confiança e calma, perfeito se você precisa cimentar relações com alguém que pode vir a se tornar uma mãe ou pai adotivo. Surpreendentemente, convenientemente, e completamente consistente com este conceito, a oxitocina também está envolvida com a estimulação da lactação.

Carga de trabalho desigual

Repudio o feminismo, mas começo citando uma frase corretíssima da militante americana Florynce Ken­nedy:

“Qualquer mulher que ache que o casamento é um projeto do tipo 50–50 está apenas provando que ela não entende os homens ou não entende porcentagens.”

Essa frase ilustra bem a realidade da maioria dos casais antes, durante e após o nascimento do primeiro filho. O desequilíbrio na distribuição das tarefas pode ter um efeito corrosivo no casamento. E como já demostrado antes, quem poderá sofrer as consequências é o cérebro do bebê.

Os números: as mãe são responsáveis por 70% de todas as tarefas domésticas. Pratos, sujeira, fraldas, pequenas reparações domésticas, tudo. E essa é uma boa notícia! Há 30 anos atrás, o valor era de 85%. As tarefas domésticas aumentam três vezes mais para as mulheres do que para os homens quando o bebê chega em casa. Os outros dados mostrados no livro são de dar orgulho a todas as mães. As novas mães poderiam imprimi-los num poster e colar na porta do quarto.

Enfim, não é sem motivo que as desavenças normalmente começam com as mulheres. E não há mistério na solução: ou os homens ajudam mais ou contratam alguém para ajudar.

Depressão

Felizmente, a maioria das mulheres não irá sofrer com este problema, mas o tema é grave o suficiente para justificar toda a atenção dado a ele pelas mãe e especialistas.

Aproximadamente metade de todas as mães experimentam uma tristeza transitória após o parto que desaparece em poucas horas ou dias. Estes “baby blues” são típicos (minha esposa passou por isso alguns dias). Mas outros 10 a 20% das mães experimentam algo muito mais profundo e infinitamente mais preocupante: a depressão pós-parto. Apesar das controvérsias sobre as suas fontes e os critérios utilizados para diagnosticá-la, não há controvérsia sobre a solução.

Se não for tratada, as consequências da depressão pós-parto podem ser trágicas, indo desde uma severa queda na qualidade de vida até o infanticídio e o suicídio. O vínculo entre a mãe e o bebê pode ser extremamente prejudicado, pois o bebê pode começar a espelhar as ações depressivas da mãe. Essa criança se tornará mais insegura, socialmente inibida e tímida. O dano é observável até 14 meses após o nascimento.

Ninguém disse que se tornar pais ia ser fácil! Mas agora que estamos bem cientes dos problemas, vamos às boas notícias e às soluções.

Como proteger seu relacionamento com a empatia

A primeira coisa que os novos pais devem ter em mente é que as dificuldades do início da paternidade vão passar! Trocar fraldas vai se tornar um ato automatizado e as noites de sono vão se ajustar. Logo, as boas experiências vão superar de longe os maus momentos. O “resto da história” vale MUITO a pena. Ter filhos é bom demais.

A segunda é que entre as causas das brigas — as listadas acima e outras — e a briga existe um passo intermediário conhecido como assimetria de percepção. Ela funciona assim: você vê seu (mau) comportamento como originado por restrições corrigíveis, externas; já o comportamento das outras pessoas como traços de personalidade inerentes e imutáveis. Em outras palavras, nos vemos como muito melhores do que realmente somos. Essa assimetria — bem estabelecida na neurociência (e na religião) — é o verdadeiro estopim das brigas.

Sendo assim, é de se esperar que o oposto, mais simetria, diminuirá a discórdia dentro de casa. E como alcançar a simetria? Pela EMPATIA.

John Medina define a empatia através de três ingredientes:

1) Detecção da expressão de uma emoção (affect): em primeiro lugar, você deve detectar uma mudança na disposição emocional de outra pessoa. Nas ciências comportamentais, affect significa a expressão de uma emoção ou do humor, usualmente associada com uma ideia ou ação. Crianças autistas normalmente não alcançam esse passo; como consequência, raramente agem com empatia.

2) Transposição imaginativa: depois de detectar uma mudança emocional, você transpõe o que foi observado para seu próprio mundo psicológico. Você “veste” os sentimentos percebidos como se fossem roupas; em seguida, observa como você reagiria dadas circunstâncias semelhantes. Para aqueles do teatro, este é o coração do Sistema de Stanislavski.

3) Formação de fronteira: ao longo do processo você deve se dar conta em todos os momentos que a emoção está acontecendo em outra pessoa, nunca no observador. A empatia é poderosa, mas ela também deve ter limites.

Reparem que empatizar (o verbo existe!) é uma habilidade que exige muita prática. Para desenvolver o segundo ponto, principalmente, é preciso ter muita experiência de vida e/ou uma grande formação humana, com muita leitura, em especial romances, e compreensão profunda das diversas matizes de personalidades do ser humano.

Uma das razões por que a empatia funciona tão bem é que ela não exige uma solução, apenas o entendimento. É extremamente importante reconhecer o outro ponto de vista. Deve ser por isso, provavelmente, que a sua ausência em uma relação seja um indicador tão forte de divórcios.

Para transformar a empatia em um “reflexo”, siga a dica do livro: quando você perceber em alguém fortes alterações emocionais ou comportamentais:

  1. Descreva a mudança emocional que você acha estar vendo;
  2. Faça um palpite acerca de onde essa mudança emocional vem.

Pode parecer simples, mas eu garanto, funciona!

Um exemplo de como esse exercício já me ajudou: saímos a família toda para levar Estela ao pediatra em um local que nunca tínhamos ido antes. Sem GPS, sem Waze, sem me lembrar bem do mapa, acabei me perdendo. Ligamos para o consultório explicando a situação e pedindo mais alguns minutos. A secretária não quis saber de conversa: são 15 minutos de tolerância improrrogáveis. Ah! Que trabalhão! Teríamos que marcar uma nova consulta (ia demorar) e eu ainda teria que pagar as horas no trabalho, porque não tinha um atestado de acompanhamento. Tentamos manter o silêncio e engolir a raiva, mas minha esposa, Natália, e eu acabamos trocando algumas farpas. Se antes o problema era com o pediatra, agora era entre nós.

Como o caminho de volta era longo, uma parte do nervosismo foi passando no caminho. Eu gosto de resolver estas pequenas querelas na hora, mas naquele momento eu sabia que qualquer palavra fora de lugar poderia reacender o pavio da discussão. Lembrei-me então da técnica da empatia. Como eu tinha uma boa noção do que Natália poderia estar sentindo, comecei a conversa tocando exatamente naquele ponto.

Lembro-me perfeitamente da reação dela. Primeiro, um impulso de expulsar a raiva ainda acumulada; em seguida, um olhar de surpresa pela pergunta acertada; por fim, a resposta cordial. Fim da desavença!

Se a empatia irá ajudar as nossas filhas a ir para Harvard, não posso garantir. Mas que ela nos ajuda a formar um lar estruturado e acolhedor nossas meninas, isso eu tenho certeza.

Próximo capítulo: bebês espertos — Sementes

O resumo do próximo capítulo do “A Ciência dos Bebês” trata das questões genéticas relacionadas à inteligência dos bebês. Entre outros assuntos, você verá por que o teste de QI deve ser rejeitado como a palavra final sobre a inteligência das crianças.

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Por Frederico B. Teixeira. CC BY-NC-SA.

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