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Inteligência infantil: descubra o que ajuda e o que atrapalha

“A partir de agora vocês só vão assistir a dois programas de TV por semana e só depois de terminar o dever de casa. No tempo livre, irão à biblioteca escolher dois livros e me entregar, no fim de cada semana, relatórios escritos sobre ambos.”

Foram com essas ordens que Sonya Carson, uma senhora pobre, separada, que trabalhava em até três empregos para sustentar os dois filhos, transformou o destino do mais conhecido neurocirurgião pediátrico do mundo, o Dr. Benjamin Carson.

Por não ter deixado os seus garotos à mercê das gangues de traficantes da região onde moravam, mas, ao contrário, por tê-los incentivado a se tornarem homens de verdade — sem cair na armadilha do vitimismo, em razão da cor da pele e da situação social — a Sra. Carson deu um excelente exemplo da influência positiva que os pais podem exercer sobre a inteligência e a formação moral dos seus filhos.

(Quando terminar de ler este post, clique AQUI para conhecer mais sobre a inspiradora história do Dr. Ben Carson, que deu origem ao filme “Gifted Hands” (“Mãos Talentosas”).)

Relembrando o post da semana passada, podemos dizer que a Sra. Carson trabalhou muito bem o solo para que a semente da inteligência de Ben Carson pudesse aflorar para o mundo.

No post de hoje, continuaremos a apresentar as sugestões do livro “A Ciência dos Bebês” para desenvolver o potencial intelectual das crianças. Assim como na preparação de um jardim, vamos conhecer alguns nutrientes que devem ser misturados ao solo e algumas pragas que devem ser eliminadas. Mas antes de listar quais são esses elementos, precisamos corrigir uma ideia errada que a maioria das pessoas tem sobre o cérebro.

Primeiro a sobrevivência, depois a aprendizagem

A seguinte passagem do livro foi uma quebra de paradigma para mim:

“Primeiro, eu preciso corrigir uma concepção errada. Muitas mães e pais bem intencionados pensam que o cérebro do seu filho está interessado em aprender. Isso não está exato. O cérebro não está interessado em aprender. O cérebro está interessado em sobreviver. (…)

Nós não sobrevivemos para que possamos aprender. Nós aprendemos para que possamos sobreviver. (…)

Se você quer ter uma criança bem educada, é necessário criar um ambiente de segurança.”

Ter esse fato sempre em mente pode ter grandes implicações na forma como educamos nossos filhos. Por exemplo: imagine a repetida cena em que uma criança com dificuldades em matemática está se sentindo pressionada pelos pais. Apesar de no nível da consciência ela estar preocupada com a opinião dos pais ou do professor, no nível biológico, o cérebro pode interpretar o seu fracasso escolar como um “risco para a sobrevivência”, ativando a liberação de cortisol e adrenalina, o que prejudicará ainda mais o desempenho nas atividades.

Em busca de uma solução para esse problema, muitos pais gastam um bom dinheiro com professores particulares (às vezes vários deles), quando a solução mais eficaz seria criar um ambiente de segurança, estimulando a experimentação e o erro sem culpa.

Ainda sobre as expectativas dos pais acerca do sucesso dos filhos, podemos ressaltar duas consequências de quando elas passam do limite. Primeiro, a pressão paterna pode extinguir a curiosidade da criança. Segundo, mesmo a simples expressão habitual de desapontamento dos pais (um suspiro, uma cara fechada) pode causar um estado psicológico grave (learned helplessness), no qual a criança é incapaz de enfrentar o estímulo negativo da cobrança, passando a agir como um adulto frustrado. Isso é intolerável, completamente incompatível com quem está dando os primeiros passos no mundo.

4 nutrientes do solo rico para o desenvolvimento cerebral

Bem compreendida essa valiosa regra (“a sensação de segurança possibilita o aprendizado”), podemos passar aos 4 nutrientes listados por John Medina para fertilizar o solo do desenvolvimento cerebral.

Amamentação

A amamentação deixa os bebês mais espertos. Entre os vários estudos que afirmam isso, uma pesquisa americana aponta que os bebês alimentados no peito pontuam, em média, 8 pontos a mais em testes cognitivos do que os alimentados com leite artificial, um efeito que é percebido até 10 anos após o término da amamentação. Os cientistas não sabem ao certo a razão disso, mas acreditam que haja uma relação com certos nutrientes do leite materno como a taurina e o ômega-3.

Fale (muito!) com seu filho

Converse com seu filho sempre que possível, levando em conta que o contato frequente com um vocabulário rico aumenta consideravelmente o QI das crianças. Por isso a importância da leitura em voz alta desde os primeiros meses de vida. Aqui em casa, começamos a ler diariamente historinhas para a Estela assim que ela completou 6 meses de idade.

Mas quanto se deve falar? A regra de ouro é 2.100 palavras por hora. Pode parecer muito, mas é um ritmo moderado de conversação. É bom também se preocupar com os exageros, observando sinais de fadiga na crianças.

E ninguém precisa ficar com vergonha de falar fino com o bebê. A parentese, essa fala lenta, com tons mais altos, marcando as sílabas fortes, é agradável e acolhedora para as crianças. Ela também ajuda no desenvolvimento da fala.

Brincadeiras guiadas

Muitíssimo importantes são as brincadeiras não-lineares ou em aberto (open-ended play). Sem confusão com atividades desestruturadas, do tipo “faça o que você quiser”, as brincadeiras não-lineares apresentam muitos benefícios cognitivos quando focadas no controle dos impulsos e na autorregulação (as funções executivas discutidas no post anterior).

A brincadeira detalhada no livro é a Mature Dramatic Play (MDP). Poderíamos dizer que ela é como um teatro com algumas regrinhas (ou uma partida de RPG com ficha simplificada). Mais especificamente, um tipo de MDP muito estudado é o programa escolar chamado Tools of the Mind.

Basicamente, num espaço onde o Tools of the Mind é aplicado, você verá:

  1. Planejamento da brincadeira: “vou construir um castelo de Lego e fingir que sou um cavaleiro”. A criança carrega um cartão (clipboard) com as atividades escritas nele.
  2. Prática do faz-de-conta: as crianças são instruídas em uma técnica chamada “make-believe play practice”. O instrutor diz à criança, por exemplo: “eu estou fazendo de conta que meu bebê está chorando. A sua bonequinha também está? O que você tem que fazer então? Abraçá-la? O que mais?” Aí é só deixar a imaginação rolar. Ao final de cada semana, as crianças têm “conferências de aprendizado” com o instrutor, nas quais ele ouve o que elas experienciaram e aprenderam durante o período.
  3. Grande sala de brincadeiras: caixas, peças de montar, roupas e outros objetos espalhadas por um espaço que favoreça a imaginação e a criatividade.

Mais informações sobre o Tools of the Mind no site do programa e em um livro de referência (está na minha lista de leituras).

Elogie o esforço, não o QI

Simples assim: o que você elogia no seu filho define o que ele perceberá como sendo importante na vida. Se você elogiá-lo pela sua inteligência, com o tempo — e com as dificuldades da vida -, ele se preocupará mais em parecer do que ser inteligente. Ele vai procurar sempre desafios pequenos, pois estará sempre com medo de falhar. Por outro lado, se você elogiá-lo pelo seu esforço, ele passará a ver os seus erros como simples barreiras a serem superadas. As falhas não serão vistas como fruto da falta de habilidade pessoal, mas da falta de dedicação.

Crianças elogiadas pelo esforço completam 50% mais exercícios difíceis de matemática do que crianças elogiadas pela inteligência.

Eletrônicos do bem e do mal

John Medina diz que, com exceção de alguns trabalhos sobre a televisão, ele nunca viu uma literatura técnica tão confusa quanto a que envolve cérebros, comportamentos e video games. Há respostas para todos os gostos!

Televisão

Sobre a televisão, temos o óbvio para o qual a maioria dos pais prefere fechar os olhos: o conteúdo dos programas tem muita influência sobre o comportamento da criança mesmo após meses da exposição. A influência se desdobra de dois modos: primeiro, a criança imita o que ela vê e ouve; segundo, ela sofre uma alteração comportamental, de acordo com o tipo de sentimento que o programa tenciona causar nos espectadores.

Sobre a introdução da TV na rotina das crianças, para os menores de 2 anos, os pesquisadores são unânimes: nada de TV. Nem um minutinho. Nem um videozinho da Galinha Pintadinha.

OK. Eu sei que isso é impossível. Mas fica de referência. Quanto menos, melhor.

Após os 2 anos, escolha aqueles programas que favorecem algum tipo de interação. Alguns deles realmente aprimoram o desempenho cerebral. “Dora, a Aventureira” é uma boa opção. Além disso, assista ao programa junto com seu filho, ajude-o a analisar e pensar criticamente o que ele está vendo.

Mas tire a TV do quarto: elas são responsáveis por uma diminuição de 8 pontos, em média, nas notas dos testes de matemática e de línguas.

Video games

Como as pesquisas sobre os video games são muito recentes e as tecnologias estão evoluindo rapidamente, a dica é se preocupar menos com o que o video game pode fazer para a mente do seu filho e mais com o que ele pode fazer para o seu corpo. O cérebro “adora” exercícios físicos. Se você é pai, joga video game, mas não pratica nenhuma atividade física, dê o exemplo, substituindo o Xbox por uma atividade externa com seu filho.

Internet

De acordo com o livro, a principal desvantagem da internet e das redes sociais é a diminuição na prática da comunicação não-verbal, tão importante no “mundo real”. Uma criança que não desenvolver bem esse tipo de comunicação ao longo da infância terá muito mais dificuldades quando decidir sair de casa, conseguir um emprego e encontrar um cônjuge.

Para ver a lista de referências do livro, clique aqui.

Próximo capítulo: As bases biológicas para a felicidade

Qual a definição científica da felicidade? Ela tem origem genética? Pode ser medida? E aprendida? Agora que já resumimos boa parte do que o “A Ciência dos Bebês” tinha a nos dizer sobre a inteligência das crianças, veremos nas próximas publicações como as pesquisas científicas podem nos ajudar a deixar nossos filhos ainda mais felizes do que eles já são.

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Por Frederico B. Teixeira. CC BY-NC-SA.

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