Nas palestras do pesquisador americano John Medina, um especialista no desenvolvimento cerebral dos bebês, uma pergunta (normalmente feita por um pai) sempre se repete: “o que devo fazer para que meu filho vá para Harvard?”. A resposta do cientista é surpreendente:
“Você quer que seu filho estude em Harvard? Você realmente quer saber o que os dados [científicos] dizem sobre isso? Eu vou lhe dizer o que os dados dizem! Vá para casa e ame sua esposa!”
Por esse e outros trechos afins que eu decidi escrever sobre o livro “A Ciência dos Bebês”. Gostaria de publicar na íntegra o capítulo sobre relacionamentos, se fosse possível. Mas eu me contive e tentei preparar o texto mais conciso possível. Espero que vocês gostem.
Relação conjugal x Desenvolvimento dos bebês
Quando nasce o primeiro filho de um casal, não é nada fácil se acostumar com a nova vida: o bebê chora, dorme, acorda, come, vomita, chora de novo, faz cocô, toma banho, chora mais um pouco; tudo antes das quatro da manhã. Aí, às seis e meia você se levanta parecendo um zumbi para ir trabalhar. E essa rotina se repete dia após dia após dia. Os pais desejam desesperadamente meio metro de silêncio, meia hora para eles mesmos, mas normalmente não conseguem nenhum dos dois. As mães não conseguem nem ir ao banheiro quando querem. Você perde horas de sono, o contato com os amigos e, em contra partida, ganha o tripo do trabalho doméstico e uma gasto mensal considerável.
Com tudo isso, não é surpresa para ninguém que o relacionamento do casal possa entrar num declínio temporário.
Mas por que John Medida trouxe este assunto para um livro sobre o desenvolvimento do cérebro dos bebês? Porque ele é sério ao ponto dos bebês religarem o seu sistema nervoso de acordo com o nível de “turbulência doméstica” ao qual estão expostos.
Este resumo do segundo capítulo do “A Ciência dos Bebês” trata de três assuntos: por que as hostilidades conjugais acontecem, como elas alteram o cérebro do bebê e o que você pode fazer para minimizar ou até neutralizar os seus efeitos.
Os casais sofrem, mas há esperanças!
A ideia romântica de que um bebê vai trazer alegria perpétua para o lar já não convence a maioria das pessoas há algumas décadas. Em 1957 o sociólogo E. E. LeMaster publicou um artigo que trazia o seguinte dado: 83% dos novos pais experimentavam uma crise moderada à severa durante a transição para a paternidade/maternidade. Apesar de ter sofrido muitas críticas na época, pesquisas recentes ratificam o estudo de LeMaster com porcentagens não muito diferentes.
No entanto, há várias formas de se contornar ou ao menos amenizar a crise pós-paternidade. Os cientistas já mapearam as suas quatro principais causas: perda de sono, isolamento social, carga de trabalho desigual e depressão (vamos revisar todos). Os casais que estiverem cientes desses fatores ficarão mais vigilantes acerca do seu próprio comportamento e, consequentemente, tenderão a evitar conflitos desnecessários.
Além disso, nem todo casamento passa por toda essa tempestade. Cônjuges que têm uma forte ligação marital e também os que planejam a chegada do filho em geral encaram melhor o primeiro ano do bebê. Um longo estudo publicado no Journal of Family Psychology examinou casais com duas diferentes posturas quanto à descoberta da gravidez: casais em que ambos os cônjuges a desejavam versus aqueles no quais só um dos dois a queria. No primeiro grupo, muito poucos se separaram, e a felicidade matrimonial se manteve ou até aumentou ao longo do primeiro ano de vida da criança. Já no segundo, todos os casamentos em conflito — em que alguém havia cedido (geralmente o homem) — terminaram em separação ou divórcio quando o filho alcançou mais ou menos 5 anos.
(Com muita oração e estudo, minha esposa e eu passamos bem pelo primeiro ano de vida da Estela. Eu sabia de antemão que passaria por uma situação — transitória — de grande abnegação, na qual precisaria direcionar quase toda minha atenção para dentro de casa. Fiquei especialmente atento a sinais de depressão pós-parto e a tentei tanto quanto possível deixar minha esposa dormir quando a Estela acordava de madrugada. Os três primeiros meses foram muito difíceis, mas como prevaleceu o amor e o respeito mútuo, nosso relacionamento se fortaleceu.)
Os pesquisadores chegaram à conclusão de que as consequências sociais da transição para a paternidade mais que justificavam novas investigações. Eles começaram então a se perguntar: “Sobre o que os casais brigam quando chega o bebê? Qual o efeitos dos conflitos no desenvolvimento das crianças?”
Segurança acima de tudo
O que se descobriu é que a “ecologia emocional” na qual o bebê cresce pode influenciar profundamente a forma como seus sistema nervoso se desenvolve. A sensibilidade quase inacreditável dos bebês ao ambiente em que são criados foi tema de um famoso e controverso (“cruel”) estudo do psicólogo Harry Harlow com macacos da espécie rhesus. Alguns estudiosos creditam a Harlow a criação inadvertida do movimento pelos direitos dos animais.
A conclusão a que Harlow chegou foi a seguinte: não era a presença de alimentos que transmitia tranquilidade para os macaquinhos, sendo esta a idéia comportamental predominante na época. Era a presença ou a ausência de uma zona de segurança — no caso, a mãe. Bebês humanos, complexos como são, buscam a mesma coisa.
E por mais que os recém-nascidos pareçam estar vivendo em mundinho totalmente à parte, isto está muito longe da realidade. Bebês não são “folhas em branco”. Eles já nascem com alguns “programas” no seu “HD neural”. John Medina dá seus exemplos disso no livro, mas eu posso mostrar o meu. Veja esta foto da Estela.
[Aqui entraria uma foto da Estela muito novinha mandando um beijo, mas eu decidi retirá-la.]
Ela parece estar mandando um beijo, não é? Pense em quantas habilidades são necessárias para se chegar a esse movimento: distinguir uma pessoa no campo visual, reconhecer que tem partes operativas no seu corpo, utilizá-las para imitar uma expressão facial, etc. Nada disso é ensinado!
Apesar de os cientistas não saberem a razão das crianças nascerem equipadas com um incrível arranjo de habilidades cognitivas (eu sei), temos certeza que elas são profundamente influenciadas pelo o que elas veem, ouvem e gravam em suas mentes.
Isso pode se tornar um assunto sério quando os pais exageram nas brigas.
Tempo limitado para estabelecer a percepção de segurança
Se a sobrevivência é a prioridade mais importante do cérebro, a segurança é a expressão mais importante desta prioridade. Esse entendimento tem um raio de efeito nas crianças que sobrepuja todas as outras prioridades comportamentais que elas têm.
Aqui eu gostaria de citar um trecho do livro integralmente:
Como os bebês lidam com essa preocupação? Tentando estabelecer um relacionamento produtivo com as estruturas locais de poder — você, em outras palavras — tão logo possível. Nós chamamos isto de vínculo (attachment). Durante o processo de criação de vínculo, o cérebro do bebê monitora intensamente o cuidado que recebe. Ele, essencialmente, se faz perguntas como “Estou sendo tocado? Estou sendo alimentado? Quem é seguro?” Se as exigências do bebê estão sendo cumpridas, o cérebro se desenvolve de um modo; se não, instruções genética ativam o desenvolvimento de outro modo. Pode ser um pouco desconfortável perceber isto, mas as crianças têm em vista o comportamento dos seus pais desde o momento que vem ao mundo. Está no seu melhor interesse evolucionário agir assim, é claro, pois é uma outra forma de dizer que eles não podem fazer nada a respeito [do relacionamento dos pais]. Os bebês não têm a quem recorrer.
Existe uma janela de vários anos durante os quais os bebês se esforçam para criar esses laços e estabelecer percepções de segurança. Se isso não acontecer, eles poderão sofrer danos emocionais a longo prazo. Em casos extremos, poderão levar marcas por toda a vida.
O que acontece quando os pais brigam
Você não precisa criar seu filho sob condições de um campo de concentração para que ocorram mudanças negativas no seu desenvolvimento cerebral. Basta uma rotina de brigas incessantes para os efeitos começarem a aparecer. E realmente são muitas as consequências…
Com menos de 6 meses os bebês já podem detectar quando algo está errado em casa. Eles podem sofrer alterações fisiológicas tais como aumento da pressão arterial, da frequência cardíaca, e dos hormônios do estresse, exatamente como os adultos. Alguns pesquisadores afirmam ser capazes de quantificar as brigas conjugais simplesmente tomando amostras de urina de um bebê por 24 horas.
Quando a criança completar 4 anos, o nível de produção do cortisol, o hormônio do estresse, pode estar quase duas vezes maior que o normal.
Se as hostilidades continuarem, as crianças estarão estatisticamente mais dispostas a exibir um comportamento anti-social e a participar de brigas na escola. Vão apresentar problemas de atenção e terão desempenho escolar abaixo da média.
Considerando o divórcio como o ponto final da instabilidade conjugal, observa-se ainda que as crianças sofrerão suas consequências por muitos anos. Mas aqui me abstenho de mostrar mais dados negativos. Com certeza que já deu para perceber a gravidade da questão.
Reconcilie-se na frente dos filhos
Fato: todos os casais, mesmo os mais estáveis, irão brigar. Felizmente, as pesquisas mostram que os efeitos danosos das brigas são amortizados quando os pais se conciliam na frente dos filhos. Ao agir assim, os pais evitam que a criança veja só o “ferimento” e não o “curativo”; e também fornecem um modelo de como ter uma “luta justa” e fazer as pazes em seguida.
Vamos parar por aqui?
Minha concisão tem limites e ainda há muitas informações interessantes para compartilhar! Vamos deixar o resto do capítulo para outra publicação?
Na segunda parte deste resumo são aprofundadas as quatro causas da crise pós-paternidade. Também explico o que John Medina chama de EMPATIA, uma excelente maneira de proteger o relacionamento conjugal de todo tipo de conflito.
Share Your Thoughts