Charles P. Steinmetz foi o inventor das teorias da histerese e da máquina de indução trifásica, entre outras grandes contribuições para a engenharia elétrica. Sua biografia é interessantíssima, envolvendo figuras como Thomas Edison e Lenin.
No artigo a seguir, Steinmetz mostra que a cultura clássica é desejável para qualquer formação universitária, inclusive para os cursos de Exatas.
O valor dos clássicos na educação em Engenharia
A educação não é o aprendizado de um negócio ou de uma profissão, mas o desenvolvimento do intelecto e a ampliação da mente, proporcionados por um conhecimento geral de todos os assuntos de interesse da raça humana, como exigência para que um homem possa atacar inteligentemente e resolver problemas nos quais experiências anteriores não servem de guia, e para decidir as questões nascentes na sua vida intelectual, social e profissional, pela ponderação imparcial de diferentes fatores e pelo julgamento das suas importâncias relativas. Esses problemas e, portanto, a preparação educacional requerida para lidar com eles, são praticamente os mesmos em todos os caminhos da vida, e a educação geral da mente e do intelecto exigida para o engenheiro, o advogado, o médico, etc, assim, é essencialmente a mesma. As únicas diferenças legítimas no treinamento para a vida de trabalho, mandatórias pelas diferentes profissões, são portanto aquelas pertencentes ao saber específico e ao estudo dos detalhes de um ramo particular do conhecimento humano pelo qual o estudante deseja ganhar a vida.
Por séculos, os clássicos, compreendendo o estudo do latim e do grego e a literatura dessas línguas, têm sido a base de toda educação; mas nas últimas duas gerações eles têm sido mais e mais deixados de lado pelo desenvolvimento das ciências empíricas e suas aplicações, a engenharia. É minha opinião que essa negligência quanto aos clássicos é um dos erros mais sérios da educação moderna e que o estudo dos clássicos é muito importante e valioso, mais ainda na educação dos engenheiros do que em outras profissões, pela razão que a vocação de um engenheiro é especialmente passível de torná-lo um homem unilateral. Ao lidar exclusivamente com ciências empíricas e suas aplicações, o engenheiro é levado a esquecer, ou nunca se dar conta, de que existem outros ramos do pensamento humano além da ciência empírica, e que é igualmente importante como fatores de uma educação ampla e geral e do desenvolvimento intelectual.
O melhor e o mais rápido meio de introduzir-se nesses outros campos é o estudo dos clássicos, o que abre ao estudante outros mundos completamente diferentes do nosso presente, o mundo da arte e da literatura, de Hellas[1], e o mundo da organização e da administração — e da cidadania — de Roma, e então expande seu horizonte além do que qualquer outra atividade que possa ser realizada de outro modo, e expõe melhor valores relativos nas suas proporções adequadas, e não distorcidas pelas tendências do pensamento do seu tempo.
É verdade que os clássicos não são necessários se o objetivo é simplesmente adaptar o estudante para o ofício da engenharia, assim como se forma um encanador ou um soldador, e o mundo, e especialmente os Estados Unidos, estão cheios de tais homens que aprenderam o ofício da engenharia. Mas tal aprendizado da engenharia dificilmente pode ser chamado de educação, e certamente não prepara o homem para executar de forma inteligente suas obrigações como cidadão da república durante tempos nebulosos da reorganização industrial e social, os quais estão diante de nós.
Existe ainda um valor consideravelmente utilitário nas línguas clássicas, uma vez que a terminologia das ciências é totalmente baseada em formas latinas com raízes do grego e do latim, e enquanto o estudante possa memorizar os termos da sua profissão, é difícil, se não impraticável, memorizar todos os termos das ciências com as quais um homem educado deve ser familiar, tais como a medicina, a botânica, a mineralogia, etc. Isso, contudo, se torna fácil para um estudante das línguas clássicas, para o qual esses termos tem um significado. Suprimir os termos científicos dos objetos de uma língua é impossível, obviamente, pois os nomes próprios e comuns geralmente são diferentes em diferentes localidades, se é que existem, sendo assim imprecisos.
As línguas modernas não estão na mesma classe das línguas clássicas, pois não abrem para o estudante nenhum mundo novo, nenhum campo de pensamento apreciavelmente diferente do seu próprio, portanto, e eu considero que elas não têm praticamente nenhum valor educacional[2]. Seu valor utilitário para os estudantes universitários é negligenciável, pois em função do tempo limitado [para o estudo], a falta de prática, e o grande número de outros assuntos mais importantes pra estudar, poucos entre os graduados retêm mesmo um rudimento do seu conhecimento das línguas modernas, e mesmo esses poucos somente porque têm algum interesse especial nelas, têm oportunidade de praticá-las, e para esse fim provavelmente as estudaram fora da universidade. Para o engenheiro, particularmente, o conhecimento de línguas modernas estrangeiras não oferece nenhuma vantagem apreciável no acompanhamento do progresso da engenharia em outros países, já que praticamente tudo que se vale a pena ler é traduzido para o inglês, integralmente ou em resumos, e as publicações de engenharia escritas em línguas estrangeiras é fechada para o leitor mesmo que ele tenha algum conhecimento da língua, pela sua falta de conhecimento da terminologia técnica da língua estrangeira[3].
Uma vez que as línguas modernas não têm nenhum valor educacional apreciável, elas deveriam ser removidas dos currículos de engenharia das universidades, pois sua manutenção viola o princípio do currículo universitário moderno de restringir, considerando o limitado tempo disponível, a instrução àqueles assuntos que o estudante não pode obter fora da universidade por conta própria, ou só pode obter sob grandes dificuldades. As línguas modernas não pertencem a essa classe, mas são aprendidas tão facilmente, se não mais facilmente, por auto-educação e conversação.
Referindo-se aos clássicos, entretanto, é verdade que os seus métodos de ensino não são os mais eficientes, e especialmente a literatura clássica com a qual os estudantes estão familiarizados não é selecionada para oferecer o maior valor educacional no alargamento da visão do estudante, nem para atrair e reter seu interesse o máximo possível, mas parecem ser os resquícios de um tempo passado.
Assim, no latim, a história de guerra e conquista, da vitória da organização militar sobre a mera bravura, em Caesaris de bello Gallico, é interessante e instrutiva, enquanto a guerra civil é de menor interesse. Mesmo hoje, Ciceronis de officiis vale a leitura, enquanto Ad Catilinam é admirável para o intelecto, uma vez que qualquer garoto inteligente deve perguntar por que “o homem com medo da sua própria sombra” não prendeu Catilina e o executou por alta traição.
No latim, seleções de poesia de Ovidii Metamorphoses são de fácil leitura, e são uma introdução valorosa na métrica clássica, e interessam pelo paralelismo dos mitos do mundo clássico com aqueles de outras raças (o dilúvio, etc), mas é difícil entender a presença do plágio desinteressante do cortesão Virgílio no currículo de estudos, enquanto o mais importante, no seu valor educacional, e o mais interessante poeta, Horácio, não é sequer citado na maioria dos currículos universitários. De todos os escritores romanos, Horário é o que exerce a maior expansão intelectual quando lido com a ajuda de um instrutor inteligente; a mudança da distorção na qual os valores relativos das pessoas e coisas aparecem aos seus contemporâneos para a proporção correta na perspectiva da história, não está demonstrada tão nitidamente em nenhum outro lugar como na relação entre o “libertino patre natus” e seu “protetor” e “patrono”, Maecenas, cujo nome escapou do esquecimento meramente pelo distinção do seu favorito, enquanto Horário promete a imortalidade a todos a quem se dirige, e a confere (ad fontem Bandusiam). A leitura de Horário é provavelmente o melhor remédio para o desencorajamento resultante da falta de apreciação do próprio esforço, o que engenheiros e o inventores sentem com muita frequência. Também os americanos, em especial, por serem susceptíveis de levarem-se demasiadamente a sério, podem se beneficiar dos sentimentos expressos no Ad Leuconoen. Em suma, quase todos os poemas de Horácio são interessantes e instrutivos e transmitem uma moral que nós devemos ouvir com apreço.
Na prosa grega, Xenophontis Anabasis é interessante e instrutivo em muitos aspectos, e pode ser seguido muito bem pelo estudante com mapas do país atravessado pelos dez mil. Seleções de Lúcio [de Samósata] são possivelmente a mais próxima aproximação a Horácio nas suas influências amplificadoras. O drama grego provavelmente está além do escopo de leitura que pode ser aplicado em um curso geral universitário, e também me parece de menor importância agora, quando o drama moderno do [hemisfério] norte exibe tendências similares. O dialeto fácil do κοινή[4], entretanto, está dentro do alcance do estudante, e ao menos uma parte do Novo Testamento pode ser lido no original; e seu valor não pode ser subestimado em mostrar a natureza sem sentido das controvérsias teológicas sobre as palavras de uma tradução imperfeita.
Contudo, o maior trabalho da literatura de Hellas é Homero, e aqui também em muitas escolas americanas somente a Ilídia é lida, possivelmente pela noção equivocada de que é uma leitura mais fácil, enquanto a muito mais interessante Odisseia é menosprezada, embora esta última, com seus contos de viagens e aventuras, com gigantes e monstros, pode parecer especialmente agradável para o jovem americano, e é de grandíssimo interesse e valor educacional na sua descrição minuciosa da vida cotidiana na madrugada da história humana, nas suas expressões pictóricas de tempos e ocupações, do tempo do dia, da chegada da noite, do amanhecer, etc. Possivelmente, em nenhum lugar encontra-se uma discrição tão vívida da onipotência como nesta passagem de Homero[5]:

[1] Nome arcaico para a Grécia.
[2] Para um homem com a formação clássica de Steinmetz, isso talvez fosse verdade. Mas para nossa realidade (e ignorância), não há como concordar que o estudo (da literatura, principalmente) do espanhol, do francês, do italiano e do alemão, etc., não abrem mundos completamente novos.
[3] Atualizando o trecho para nosso tempo e país, a situação não é muito diferente se o aluno de engenharia domina a língua inglesa. Considerando apenas o conhecimento técnico, em poucos campos será necessário estudar outras línguas, e a dificuldade para compreender os termos técnicos será sempre um desafio.
[4] Grego helenístico, utilizado no Novo Testamento.
[5] Versos 528 a 530 da Ilídia, de Homero. Tradução do trecho por Frederico Lourenço (com adaptação):
Assim falou; e uma dor aguda lhe atingiu o fundo do espírito
e logo agarrou Ate pela cabeça de cabelos gordurentos,
enraivecido no seu espírito, e jurou um juramento grandioso,
que nunca mais ao Olimpo e ao céu cheio de astros
de novo regressaria Ate, que a todos obnubila.
Trabalho apresentado na 26ª Convenção Anual do American Institute of Electrical Engineers (AIEE). Frontenac, New York, 1º de Julho de 1909.
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